Internacional
Por que tantos russos desconfiam da vacina contra a covid-19
Um novo lockdown foi imposto em Moscou para conter nova onda de infecções. Na Rússia, apenas um terço da população se vacinou. Especialistas apontam desconfiança em relação às autoridades como motivo
Mais uma vez, escolas, lojas, restaurantes, centros esportivos e cabeleireiros em Moscou e na região ao redor da capital russa foram forçados a fechar suas portas. Farmácias e estabelecimentos que vendem comida podem ficar abertos, assim como teatros e museus, mas os visitantes precisam apresentar um código QR digital para provar que foram vacinados ou que se recuperaram totalmente de uma infecção pelo coronavírus Sars-CoV-2, causador da doença respiratória covid-19.
O lockdown mais recente deverá se estender até o dia 7 de novembro. O prefeito da capital, Sergei Sobyanin, anunciou as novas medidas na semana passada, um dia depois de o presidente russo, Vladimir Putin, assinar um decreto que estipula uma de licença paga do trabalho, na primeira semana de novembro.
As medidas foram adotadas num momento em que a Rússia registra uma baixa taxa de vacinação, ao mesmo tempo em que há novos picos de casos de covid-19 e mortes decorrentes da doença.
Apenas um terço da população vacinado
Apesar de a Rússia ter lançado sua campanha de vacinação há quase um ano, apenas um terço da população recebeu duas doses de imunizante – muitos deles foram inoculados há seis meses. A taxa é baixa em comparação com outros países industrializados. Na Alemanha, a taxa de vacinação é quase o dobro.
Na quarta-feira (27/10), autoridades registraram 36.600 novos casos de covid-19, o maior número histórico. Cerca de mil pessoas morrem diariamente no país. O prefeito de Moscou chegou recentemente a alertar que “picos históricos” seriam alcançados nos próximos dias.
Autoridades esperam frear a mais recente onda de infecções com o lockdown, mas também pela introdução da vacinação obrigatória. No entanto, de acordo com uma pesquisa da Public Opinion Foundation (FOM, na sigla em russo), a população russa se divide sobre o assunto: 47% dos entrevistados pela organização independente sem fins lucrativos que se tornou um dos maiores órgãos de pesquisa sociológica na Rússia se disseram a favor de uma vacina compulsória. A mesma proporção disse ser contrária à obrigação de imunização.
Ao mesmo tempo, a maioria dos entrevistados (60%) se disse convencida de que a vacinação em massa é necessária para combater a covid-19 e apenas 23% disseram considerar a vacina desnecessária.
Segundo Denis Volkov, diretor da organização não governamental de pesquisas de opinião Levada Center, a proporção de russos opostos à vacina havia atingido 60% até o início do verão no Hemisfério Norte, enquanto cerca de 30% disseram estar dispostos a tomar a vacina.
O número daqueles opostos diminuiu levemente durante o verão, após um período de duas semanas durante o qual ficou proibido entrar em cafés e restaurantes em Moscou sem a comprovação de vacinação, recuperação ou um teste negativo de covid-19. Entretanto, quando a restrição foi levantada, o número de pessoas dispostas a se vacinarem caiu novamente, e houve um declínio notável na taxa diária de vacinação.
Desconfiança nas autoridades desacelera campanha de vacinação
Os resultados da pesquisa do Levada Center indicam que a população desconfia tanto da vacina quanto das autoridades. Volkov disse à DW que havia uma ampla falta de confiança nas estruturas de poder do país: cerca de 50% dos russos desaprovam o trabalho do governo.
“O número das pessoas dispostas a se vacinarem é muito mais baixo entre os que tem uma atitude negativa em relação às autoridades”, explicou Volkov, acrescentando que aqueles que desconfiam das autoridades tendem a se opor a quase todas as iniciativas governamentais, de campanhas de vacinação a votos digitais sobre a vigilância eletrônica.
Mas, segundo ele, a maior parte dos que temem a vacina também tem medo de contrair covid-19.
Atualmente, apenas cerca de metade da população russa apoia os esforços das autoridades para combater a pandemia de coronavírus, segundo o instituto de pesquisas Romir, ligado à Associação Internacional Gallup de pesquisas. “Estamos verificando uma polarização da sociedade”, disse o diretor da entidade, Andrey Milekhin, à DW. Segundo ele, foi por isso que houve tantos debates online sobre esse assunto, e porque tantas pessoas estavam divulgando desinformação intencionalmente.
‘Impossível banir tudo’
Contudo, Milekhin disse que as autoridades estavam reagindo de forma errada ao impor bloqueios e restrições. Em março de 2020, por exemplo, a Duma, câmara baixa da Assembleia Federal Russa, aprovou uma lei que passou a criminalizar a violação de regulamentações sanitárias e epidemiológicas em situações de emergência e desastre.
“É quase impossível fechar o banir tudo. Medidas precisam ter justificativas claras e explicadas por especialistas”, afirmou.
Para Milekhin, tomadores de decisão deveriam entender a natureza complexa da sociedade e, por isso, deveriam ter abordado cada segmento da população para convencê-los a aderir às regras impostas para combater a covid-19.
Segundo dados coletados pelo site independente gogov.ru, que monitora a vacinação na Rússia, a taxa diária de imunização está voltando a atingir os auges registrados durante o verão no Hemisfério Norte. Desde meados de outubro, 500 mil pessoas vêm recebendo uma dose de vacina todo dia.
Volkov, do Levada Center, disse que o anúncio do novo lockdown e as restrições crescentes a pessoas sem imunização em diferentes regiões da Rússia já tiveram impacto na postura antivacina da população.
“Nossos estudos mostraram que uma proporção significativa daqueles que não querem ser vacinados esperam até o momento em que não conseguem mais evitar a imunização”, explicou. “Mesmo assim, medidas adequadas só funcionam se são consistentes e de longo prazo, o que não é o caso aqui”, avaliou.
Volkov diz ter certeza de que o lockdown severo e prolongado em vários países europeus foi o que contribuiu para que a população desses países se vacinasse em números maiores do que na Rússia.