Internacional
Eutanásia de doente não terminal é aplicada pela primeira vez na América Latina
O colombiano Victor Escobar, de 60 anos, foi submetido à assim chamada “morte assistida” na noite da última sexta-feira
A eutanásia de um doente não terminal foi aplicada na semana passada pela primeira vez na história da América Latina, provocando propositalmente e de modo legalizado a morte do colombiano Victor Escobar, de 60 anos.
A assim chamada “morte assistida” de Victor ocorreu às 21h20 da última sexta-feira, 7 de janeiro de 2022, pelo horário da Colômbia.
O “procedimento” foi possível porque uma decisão da Corte Constitucional daquele país, emitida em 23 de julho do ano passado, autorizou a aplicação da eutanásia também para solicitantes que não atendessem o anterior “requisito” de encontrar-se em estágio terminal de doença.
De fato, apenas dois dias após a morte de Victor, a eutanásia foi aplicada em Medellín à também colombiana Martha Sepúlveda, de 51 anos, que sofria de esclerose lateral amiotrófica (ELA). Sua morte assistida já tinha sido agendada para outubro passado, mas o Instituto Colombiano del Dolor (IPS Incodol), clínica privada que tratava a paciente, anunciou a suspensão 36 horas antes, alegando inconformidades jurídicas.
Os grandes desafios de Victor
Victor tinha sobrevivido a um grave acidente de carro havia mais de 36 anos, com sequelas na coluna que deixaram um lado de seu corpo paralisado. Em 2007 e 2008, enfrentou ainda dois AVCs. Seu quadro de saúde também incluía doença pulmonar obstrutiva crônica, diabetes, hipertensão e problemas cardíacos, com um dos lados do coração maior que o outro.
Embora a sua situação fosse inegavelmente difícil, ele não se encontrava em condições terminais segundo a medicina.
Victor alegava, porém, que a sua vida se caracterizava cada vez mais por “sofrimento e dor”. Ele relatou, por exemplo, que chegava a expelir sangue dos pulmões, que havia perdido o controle sobre a eliminação de fezes e urina e que enfrentava lapsos relevantes de memória – de fato, após o acidente de décadas atrás, teve de reaprender ações básicas como comer, falar e até mesmo reconhecer os membros da própria família.
Foi com base nesse tipo de condições que a justiça colombiana legalizou a eutanásia de doentes não terminais. A decisão, porém, desperta grandes controvérsias éticas na Colômbia e no mundo.
Conceitos conflitantes sobre o propósito da medicina
Desafios semelhantes ou ainda mais exigentes que os de Victor no tocante à saúde e ao bem-estar são enfrentados por inúmeras famílias no mundo todo – e o progresso da medicina permite encará-los com perspectivas cada vez mais promissoras.
Aliás, em grande medida, as conquistas da medicina são impulsionadas justamente pelo tamanho dos desafios e pela própria ética da vocação médica, voltada a priorizar sempre a nítida opção pela vida, por mais complexos que sejam os quadros de saúde dos enfermos.
As ciências médicas, incluindo os seus ramos dedicados especificamente à saúde mental, também incentivam cada vez mais enfaticamente a importância do envolvimento de familiares e profissionais da saúde na atenção o mais integral possível ao doente, de modo que a “opção pela morte” jamais venha a ser considerada como “solução” a ser “normalizada”.
A mesma perspectiva é compartilhada pela ética geral, pelo direito e pela grande maioria das religiões. É por esta razão que a legalização da eutanásia, já polêmica nos casos de doença terminal, se torna ainda mais controversa e questionável nos casos de doença não terminal.
Os novos problemas criados pela eutanásia
A eutanásia de doente não terminal não é o único cenário controverso. A eutanásia em qualquer caso já é problemática em si mesma.
Um panorama de graves problemas ocasionados pela “normalização” da eutanásia é visto e sentido em países que aprovaram a prática já faz vários anos. O biólogo holandês Vincent Kemme, por exemplo, sendo ele próprio cidadão de um dos países pioneiros em legalizar a eutanásia, observa:
“A nossa sociedade se tornou completamente materialista, laica, relativista e subjetivista. Hoje em dia, na Holanda ou em Flandres, a morte por intervenção médica se tornou normal. Todos os doentes na Holanda são questionados sobre como querem morrer. Há casos de médicos que ficam de cama durante dois dias, por razões psicológicas, depois de praticarem uma eutanásia. Não gostam, não é para isso que são treinados, ninguém se torna médico para matar pessoas. A motivação é curar; é o contrário”.
Os efeitos psicológicos danosos da eutanásia não se restringem aos médicos, mas afetam cada vez mais a fundo a sociedade como um todo. O dr. Kemme prossegue:
“Vejo as leis da eutanásia como um sintoma de uma cultura que perdeu a noção de Deus, que deixou de ter a noção da procedência da vida e do seu valor, do que devemos fazer e do que devemos evitar. Estamos desorientados. Por isso, o que a maioria pensa é visto como verdadeiro. As pessoas acha que, se é lei, então é bom. Não fazem distinção alguma entre o que é legal e o que é moral. É todo um exercício intelectual que temos que empreender com eles, explicando que há nuances e distinções que precisam ser feitas”.