Judiciário
A infidelidade partidária e a perda do mandato eleitoral
Existe dever jurídico de fidelidade dos candidatos às agremiações partidárias que os colocaram no poder, inclusive no sistema majoritário?
Existe dever jurídico de fidelidade dos candidatos às agremiações partidárias que os colocaram no poder, inclusive no sistema majoritário?
O jornal o Globo, em sua edição de 9 de fevereiro, noticiou que
A questão envolveria, se concretizada, a perda de um mandato parlamentar em virtude do que se chamaria de uma infidelidade partidária.
Não há, na Constituição de 1988, qualquer previsão expressa da “regra da fidelidade partidária”. A Constituição de 1969 previa a infidelidade partidária como hipótese explícita de perda do mandato de deputados e senadores (art. 35, V). A Carta de 1988, contudo, não reproduziu a sanção, que de resto já havia sido suprimida do texto anterior pelo art. 8º da Emenda Constitucional nº 25/1985.
O objetivo da fidelidade partidária é devolver o mandato ao partido político que o conquistou através do voto.
O sistema proporcional é adotado entre nós para a eleição de Vereadores, Deputados Estaduais e Deputados Federais. Nas eleições para Deputado Federal e Estadual, a circunscrição (i.e., o espaço geográfico no qual o candidato fará campanha e poderá ser votado) corresponde ao Estado, ao passo que nas eleições para Vereador, será o Município. Pelo sistema proporcional, o número de cadeiras que cada partido terá na Casa Legislativa relaciona-se à votação obtida na circunscrição. No sistema brasileiro, que é de lista aberta, o eleitor escolhe um candidato da lista apresentada pelo partido (não é possível candidatar-se sem filiação a um partido), não havendo ordem predeterminada dos que serão eleitos, como ocorre no sistema de lista fechada. A ordem de obtenção das cadeiras pelos candidatos é ditada pela votação que individualmente obtiveram. Porém, o sucesso do candidato dependerá, de modo decisivo, da quantidade de votos que o partido ao qual ele está filiado recebeu.
Para eleger-se, o candidato depende dos votos obtidos pelo partido (quociente partidário) e de sua votação própria.
Discute-se, a partir daí, a questão da chamada infidelidade partidária.
Entre os anos de 1995 a 2007, ocorreram 810 (oitocentos e dez) migrações, envolvendo um total de 581 (quinhentos e oitenta e um) parlamentares, o que significa que muitos deles trocaram de partido mais de uma vez. Este quadro sofreu o impacto relevante – e positivo – das decisões do Supremo Tribunal Federal, proferidas em 2007, no âmbito dos Mandados de Segurança nº 26.602, nº 26.603 e 26.604.
A posição do Supremo Tribunal Federal acerca da fidelidade partidária e da mudança de partido por parlamentares havia sido fixada no julgamento do Mandado de Segurança n. 20.927, da relatoria do Min. Moreira Alves, julgado em 1989, quando se assentou:
Lembro, após isso, que, em 1.03.2007, o Partido Democratas (DEM) formulou a Consulta nº 1.398/2007 perante o Tribunal Superior Eleitoral, na qual questionava se os partidos e coligações possuíam o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema proporcional em caso de desfiliação.
O TSE pronunciou-se no sentido de que os mandatos obtidos em eleição proporcional pertencem ao partido político, e, portanto, que a mudança de agremiação partidária, após a diplomação, dá ao respectivo partido o direito de postular a retenção do mandato eletivo.
Diante da negativa do Presidente da Câmara dos Deputados em dar posse aos deputados suplentes mesmo após o julgamento da referida Consulta, três partidos prejudicados pela recusa impetraram os Mandados de Segurança de nº 26.602 (PPS), 26.603 (PSDB) e 26.604 (DEM). Ao final do julgamento, esta Corte, por maioria de votos – vencidos os Ministros Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa – chancelou o entendimento do TSE, modificando a sua antiga jurisprudência, para reconhecer a existência do dever constitucional de observância da regra da fidelidade partidária.
Em síntese, os principais fundamentos da decisão foram os seguintes: (i) a essencialidade dos partidos políticos para a conformação do regime democrático, a ponto de existir uma denominada “democracia partidária”; (ii) a intermediação necessária das agremiações partidárias para candidaturas aos cargos eletivos, conforme disposto no art. 14, § 3º, V, da Constituição; (iii) a vinculação inerente entre mandato eletivo e partido como consequência imediata do sistema proporcional, no qual os cargos são distribuídos de acordo com o quociente eleitoral, obtido pelo partido, e não pelo candidato; e (iv) a infidelidade como atitude de desrespeito do candidato não apenas em face do seu partido político, mas, sobretudo, da soberania popular, sendo responsável por distorcer a lógica do sistema eleitoral proporcional.
A partir desses precedentes, coube ao Tribunal Superior Eleitoral, por determinação do Supremo Tribunal Federal, regulamentar a perda de mandato por infidelidade partidária, o que ocorreu por meio da Resolução nº 22.610/2007, de 25 de outubro de 2007. Em princípio, caberia à Corte eleitoral apenas dispor sobre a perda de cargos eletivos por infidelidade partidária no sistema proporcional, nos moldes da decisão proferida pelo STF. Ocorre que a elaboração da resolução foi antecedida de outro julgamento que acabou influindo decisivamente na conformação do seu texto final. Trata-se de Consulta formulada perante o Tribunal Superior Eleitoral (nº 1.407/2007), em que se questionava se a mesma linha de entendimento era aplicável ao sistema majoritário.
O TSE entendeu que sim. Os principais fundamentos desta decisão foram os seguintes: (i) a centralidade dos partidos políticos no regime democrático; e (ii) o fato de os candidatos do sistema majoritário também se beneficiarem da estrutura partidária para se eleger, diante das exigências de filiação partidária, escolha dos candidatos em convenção, registro das candidaturas na Justiça Eleitoral, identificação dos concorrentes pela legenda do partido, celebração de alianças; financiamento da campanha com recursos do fundo partidário, utilização dos espaços de rádio e de televisão para a propaganda individual etc. Portanto, haveria um dever jurídico de fidelidade dos candidatos às agremiações partidárias que os colocaram no poder, inclusive no sistema majoritário. Por essas razões, a infidelidade partidária teria a mesma consequência em ambos os sistemas eleitorais: a “devolução” do mandato ao respectivo partido.
Para os estudiosos, a infidelidade partidária e a perda de mandato somente se justificaria no âmbito do sistema proporcional e não nas eleições majoritárias.
O julgamento da ADI 5081 / DF deixou claro isso.
Postas essas ideias, fica colocado o problema caso o deputado federal Rodrigo Maia saia dos Democratas, partido pelo qual se elegeu nas eleições proporcionais de 2018.