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Judiciário

Os cortes no fornecimento de energia elétrica e a pandemia de covid-19

Uma análise do julgamento da STP 272 sob o parâmetro da aplicação dos direitos humanos pelo Supremo Tribunal Federal. Seu papel como guardião dos interesses coletivos e do bem comum está sendo bem executado?

uma análise do julgamento da STP 272 pelo STF à luz dos direitos humanos

RESUMO: O presente artigo científico visa discutir o julgamento da Suspensão de Tutela Provisória 272 pelo Supremo Tribunal Federal, na qual se debate sobre a interrupção do fornecimento de energia elétrica dos consumidores inadimplentes em razão da pandemia do covid-19, apresentando reflexões acerca da adequada aplicação dos direitos fundamentais ao caso, levando-se em consideração o atual quadro social implementado por esse cenário pandêmico. Parte-se de uma pesquisa sociojurídica, pautada no uso da metodologia bibliográfica, além da análise jurisprudencial e apontamentos acerca da legislação nacional vinculada ao tema proposto. Tudo isso com a finalidade de concluir se o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal atende acertadamente às demandas envolvidas no processo judicial em comento.

Palavras-chave: Suspensão da Tutela Provisória 272. Fornecimento de energia elétrica. Direitos fundamentais.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O julgamento da STP 272 e seus impactos no fornecimento de energia elétrica. 3. O acesso à energia elétrica como direito fundamental social. 4. À luz dos Diretos Humanos, a decisão do STF poderia ter sido diferente? 5. Referências


1   INTRODUÇÃO

O presente artigo busca discutir a possibilidade de maior observância dos preceitos dos Direitos Humanos no julgado da Suspensão de Tutela Provisória 272 pelo Supremo Tribunal Federal, quando da análise dos aspectos de fundamentalidade da prestação do serviço de energia elétrica como atividade essencial a ser disposta em caráter contínuo pelo Setor público, seja pelo meio direto ou por meio de suas concessionárias, visando, assim, não haver cortes de fornecimento à aqueles que possam ter sidos afetados pela situação Pandêmica que o mundo está vivendo.

O tema foi escolhido a partir de reflexões sobre possíveis decisões do Supremo Tribunal Federal que poderiam ter resultados distintos dos já consignados, quando se analisados sob uma ótica mais protetiva dos Direitos Humanos, denotadamente no período em que o planeta se encontra após a pandemia do covid-19.

Em um primeiro momento se analisa o trâmite e as nuances do pedido de Suspensão de Tutela Provisória nº 272, ajuizado perante o Supremo Tribunal Federal, eleito como caso paradigma para o desenvolvimento do presente trabalho. A análise da questão fática e do tema de fundo do referido processo perpassa temas essenciais ao Direito e a coletividade, vez que envolve os atos da gestão pública no período pandêmico do corrente ano.

Após, é abordada a situação da energia elétrica e sua importância no mundo atual quando analisados os direitos fundamentais que norteiam a vivência humana, principalmente sob a ótica da Constituição de 1988. Passando sobre conceitos basilares e atribuições na Carta Magna como serviço essencial, compondo a universalidade de Direitos sociais alcançados pelos brasileiros.

 E ao final, busca-se responder o questionamento: Poderia o Supremo Tribunal Federal ter decidido diferente? Levando em consideração os todos os temas abordados no presente trabalho, à luz dos direitos fundamentais e a interpretação moderna do alcance dos direitos sociais, acrescido a situação excepcional que o mundo conheceu em 2020 com a pandemia do covid-19, denotando a importância da energia elétrica nos tempos atuais.

2   O JULGAMENTO DA STP 272 E SEUS IMPACTOS NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA

O processo a analisado no presente trabalho é a Suspensão de Tutela Provisória 272, que tramita no Supremo Tribunal Federal, na qual a requerente “Companhia Energética do Rio Grande do Norte – COSERN” pleiteia, em desfavor do “Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte”, a suspensão de liminar concedida nos autos do Agravo de Instrumento de nº 0802883-54.2020.8.20.0000.

Em síntese, a demanda originária trata-se de Ação Civil Pública, com pedido de tutela de urgência, na qual a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Norte sustenta que, em que pese a situação de pandemia do covid-19, assim como recomendações administrativas, da ANEEL, por exemplo, a empresa COSERN, responsável pelo fornecimento de energia do estado em questão, continuou realizando o corte de energia elétrica dos consumidores residenciais em decorrência de inadimplência.

Nesse sentido, pleiteou em sua Ação Civil Pública que, durante o período excepcional de pandemia causada pelo surto do covid-19, a CONSERN se abstenha de realizar cortes de fornecimento de energia elétrica em razão de inadimplência, devendo prevalecer o interesse da coletividade, assim como visando a continuidade da prestação do serviço considerado essencial pela Constituição da República, para preservação da saúde individual e coletiva.

Em um primeiro momento, o pedido tutelar da Defensoria Pública fora indeferido pelo juízo de primeiro grau. Nesse sentido, irresignados com negativa de prestação jurisdicional, a autora recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte com o manejo de recurso de Agravo de Instrumento, requerendo em via de tutela recursal o deferimento da tutela provisória antes requerida, a fim de suspender os cortes de energia realizados pela empresa CONSERN, em decorrência de inadimplência.

Ao analisar o pleito, a Des. Maria Zeneide entendeu pelo seu parcial deferimento, uma vez que a questão já havia sido regulada pela Resolução 878 da ANEEL, assim, devendo impedir que se realize cortes de fornecimento de energia elétrica em razão de situação de inadimplemento, bem como determinou-se seu restabelecimento imediato. Ocorre que a referida decisão incluiu dentre aqueles que deveriam ter o restabelecimento os que haviam sofrido o corte antes da aludida resolução da ANEEL.

Desta feita, tendo em vista a decisão em sede de tutela recursal contrariamente aos seus interesses, a empresa CONSERN ajuizou a Suspensão de Tutela Provisória em questão. A chamada Suspensão de Segurança, tal qual o tipo de ação manejada pelo autor se encontra definida no Art. 297, caput do Regimento Interno do STF. Assim como se lastreia também na jurisprudência, na qual segundo o Min. Sepúlveda Pertence[1] anota que tal procedimento visa à salvaguarda do direito da parte, posto que a execução imediata de decisão proferida possa acarretar graves riscos de lesão a interesses públicos, a ordem, a saúde, a segurança, e entre outros. 

Em suas razões, a empresa alega que a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte a insere em posição de demasiada onerosidade, vez que considera haver necessidade de restabelecer imediatamente o fornecimento de energia às unidades residenciais que se encontravam em inadimplência inclusive antes da referida Resolução 878/20 da ANEEL. Ressalta que o Poder Judiciário não pode ser criador de políticas públicas, mesmo em situação de calamidade. Razão pela qual entende ser cabível a via eleita para se atingir a suspensão da tutela concedida pelo juízo estadual.

Em grau decisório o Ministro Presidente em exercício do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux, na data de 27/05/2020, concedeu Medida Acauteladora na Suspensão de Tutela Provisória para suspender a decisão proferida no Agravo de Instrumento nº 0802883-54.2020.8.20.0000 que determinava a CONSERN a necessidade de restabelecer o fornecimento de energias às residências inadimplentes antes da Resolução 878/20 da ANEEL.

Segundo entendeu o Ministro, a referida decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte determinou o restabelecimento do fornecimento de energia elétrica aos consumidores de forma indiscriminada, e por isso, apresenta risco potencial de lesão à ordem administrativa e econômica pública em razão da possível insegurança jurídica no tratamento da relação contratual estabelecida e também, reforça o risco de multiplicarem-se decisões semelhantes. Assim, entende que a decisão extrapolou os limites de normatização específica de órgão administrativo, a ANEEL, motivo pelo qual então ensejou o deferimento do pedido liminar para suspender a decisão proferida pelo Tribunal do Rio Grande do Norte.

Essa decisão é o paradigma a ser enfrentado no presente trabalho, eis que, por sua própria fundamentação já enunciada, impacta a vida de vários brasileiros, seja diretamente, como a exemplo dos residentes do estado do Rio Grande do Norte, seja indiretamente, como resultado de um entendimento do Supremo Tribunal Federal para enfrentamento de novos casos com a mesma temática, possivelmente oriundos de outros estados da federação.

Após a publicação da decisão proferida, foi concedido vista dos autos ao Procurador-Geral da República para manifestação em parecer.

O parecer do Ministério Público Federal consignou que a matéria discutida na referida medida de Suspensão de Tutela Provisória é de competência do Supremo Tribunal Federal, eis que enolvenve aplicação dos princípios de separação dos poderes, ante a dicotomia no que se consignou entre Poder Judiciário e a entidade reguladora Aneel, da legalidade e da proteção à saúde, presentes na Constituição Federal em seus arts. 2º, 5º, II, e 200, II. Além de, ressaltar a competência privativa da União para legislar sobre questões atinente a energia elétrica.

O MPF esclareceu que para se atingir os fins pretendidos pela parte autora em sua ação de suspensão, quando analisada pelo Judiciário, deve ser considerado a potencialidade de o provimento do pleito possa ocasionar lesão à ordem, à segurança, à saúde e à economia públicas. Haja vista que a suspensão do fornecimento de serviços tais quais energia elétrica, água e telecomunicações repercute diretamente na vida do usuário, causando prejuízos no desempenho de atividade básicas e essenciais relacionadas a saúde, à educação, à alimentação, à profissão, entre outras.

Além do mais, ressalta que não se extrai dos autos, em uma análise dos elementos carreados pelo autor, que a manutenção da decisão impugnada ocasiona efetivo prejuízo ao setor distribuição elétrica no âmbito estadual. Razão pela qual o MPF opina pelo indeferimento do pedido de contracautela formulado, devendo-se manter a decisão proferida em sede de Agravo de Instrumento que determinou o restabelecimento do serviço de energia elétrica aos inadimplentes antes da vigência da Normativa 878/2020 da ANEEL, de forma a se assegurar o acesso mínimo a atividades essenciais pela população.

Após a manifestação do Ministério Público Federal os autos foram encaminhados em conclusão para a Presidência no dia 14/10/2020 e desde então permanecem sem qualquer nova manifestação, restando, portanto, ainda pendente de exame meritório.

3   O ACESSO À ENERGIA ELÉTRICA COMO DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL

Dentre os pontos que foram dispostos em discussão no referido julgado supracitado, o mais marcadamente importante e que se configura como o caminho para o deslinde da causa trata-se do acesso à energia elétrica como um direito fundamental, especificamente, como um direito fundamental social. Tal tema é muito discutido no âmbito jurídico e legislativo, se tornando ainda mais relevante no cenário pandêmico atual, onde a essencialidade desse fornecimento se observa de modo determinante.

Nesse contexto, vale ressaltar os pontos principais envolvidos nesse debate que perpassa pelos conceitos de direitos fundamentais, direitos sociais, além de constantemente se utilizar das noções acerca da dignidade da pessoa humana, do mínimo existencial e da chamada abertura constitucional à direitos não tipificados.

Os direitos fundamentais do homem resultam de construções e transformações históricas, razão pela qual não é tarefa fácil designar-lhes uma definição precisa. Nas lições de José Afonso da Silva[2], além de traduzirem as concepções de mundo e a ideologia política de um dado ordenamento jurídico, quando positivados, eles buscam concretizar as garantias necessárias para uma convivência livre, igual e digna para todos os cidadãos. Para o autor, esses direitos são fundamentais na medida em que tratam de condições jurídicas atinentes à própria existência e convivência humana, assim, devem ser não somente reconhecidos, mas verdadeiramente efetivados.

Nesse sentido há de se falar ainda da perspectiva material e formal dos direitos fundamentais. As normas materialmente fundamentais são aquelas que possuem conteúdo[3] de direitos fundamentais, sendo este conteúdo fruto de direitos históricos[4], originados gradualmente em determinados contextos, por meio da busca e da conquista por novos direitos, como leciona Norberto Bobbio, razão pela qual estão frequentemente se modificando, haja vista os interesses e as necessidades de cada tempo. Os direitos formalmente fundamentais, por sua vez, são aqueles que se encontram positivados, ou seja, previstos no texto constitucional[5], tendo-se ainda que as normas consagradoras desses direitos ocupam posição superior no ordenamento jurídico[6]

Desse modo, é de suma importância falar acerca da fundamentalidade material, pois é a partir dela que há espaço para discutir a abertura constitucional[7] para outros direitos fundamentais que não se encontrem expressamente referidos no texto constitucional. Dispõe Canotilho[8] que, somente pela perspectiva material se torna viável falar sobre a abertura da constituição a outros direitos fundamentais ainda não constitucionalizados. Nesse quadro se inclui as argumentações que defendem a adição do acesso à energia elétrica como direito fundamental, incluído nos denominados direitos sociais.

Os direitos sociais que dominaram o século XX, fazem parte da chamada segunda geração de direitos fundamentais e nasceram amparados ao princípio da igualdade[9]. Esses direitos foram consagrados em uma tentativa de superação de um Estado pautado na concepção de liberdade estrita, sendo, portanto, resultado da formação de uma consciência social que ansiava pela intervenção governamental a fim de promover a justiça social, assegurando aos indivíduos uma vida digna[10]

Os fundamentos que guiam os defensores do acesso à energia elétrica como direito fundamental social, passa pela denominada cláusula aberta dos direitos fundamentais, consubstanciada em um instituto que possibilita a ampliação da proteção aos direitos fundamentais – em sua acepção material – não tipificados no rol daqueles que são tutelados expressamente pela Constituição[11]. Tal condição está colocada na própria Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, §2º, o qual dispõe que, “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”[12].

Assim, tem-se claro que a Constituição Federal de 1988 dispõe dos direitos fundamentais de forma aberta, ou seja, traz apenas um rol exemplificativo dessas normas, tratando-se assim, da chamada cláusula de abertura material ou de inesgotabilidade dos direitos fundamentais. Isso significa que o atual texto constitucional admite reconhecer como direitos fundamentais determinadas situações jurídicas não referidas diretamente na Constituição Federal, os denominados direitos fundamentais não enumerados, considerados assim aqueles que derivam dos demais princípios adotados constitucionalmente pelo Brasil, do regime democrático e dos tratados de direitos humanos consagrados em leis, regras e costumes ratificados pela ordem jurídica brasileira[13].

Todos os posicionamentos supramencionados são guiados pela adoção de um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, conforme art. 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988 e princípio basilar da ordem constitucional pátria, qual seja, a dignidade da pessoa humana. Não obstante seja difícil apontar um conceito conciso para esse princípio, nas palavras de Jorge Miranda[14], a dignidade da pessoa humana repousa na concepção que considera a pessoa como fundamento e fim da sociedade e do Estado, o que conduz à busca de entendimento do que seria preciso para esse viver com dignidade e, assim, ao chamado direito ao mínimo existencial.

A noção de direito fundamental ao mínimo existencial passa pela ideia de “um direito a um conjunto de prestações estatais que assegure a cada um (a cada pessoa) uma vida condigna”[15], possuindo tal compreensão um papel de destaque nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal, especialmente naqueles que envolvam direitos fundamentais sociais. Além disso, há de se destacar que essa concepção pode sofrer modificações pelo momento econômico e sociocultural no qual a sociedade está inserida, pois isso determina as demandas sociais de cada época e as análises acerca do que seja essencial para uma vida digna[16] nessas dadas condições.

Analisando o panorama atual do país, a realidade instaurada pela pandemia tornou a energia elétrica um bem ainda mais essencial para o acesso à uma vida digna, dado que nesse novo quadro social, as atividades profissionais e escolares, principalmente, sofreram grandes mudanças com a aplicação das políticas sanitárias de distanciamento social e, consequentemente, com a adoção da modalidade remota de prestação de serviços. Tal situação levou, por exemplo, à tentativa de implementação do homeschooling nas redes públicas de ensino, o que evidenciou a desigualdade social no país, dado que essa política não alcançou diversos estudantes brasileiros, por não terem eles acesso aos meios necessários para assistirem as aulas à distância, incluindo a ausência de acesso à energia elétrica.

Segundo se extrai dos dados levantados pelo site G1[17] um em cada cinco alunos não consegue estudar em casa no período de pandemia atual. O site concluiu que 21% (vinte e um por cento) dos estudantes, por não ter acesso a serviços de internet, ou energia, ou até ausência de equipamentos que possibilitem acompanhar as aulas, permanecem sem realizar nenhuma atividade pedagógica em casa. Tal número é muito grave, considerando que segundos dados do site Agência Brasil[18] a taxa de analfabetismo do Brasil no ano de 2019 corresponde a 6,6% da população, representando cerca de 11 (onze) milhões de brasileiros.

Por fim, ressalte-se, ainda, que a inclusão do acesso à energia elétrica no rol dos direitos sociais previstos no art. 6º, da Constituição Federal de 1988, atualmente é objeto da Proposta de Emenda à Constituição nº44, de 2017, apresentada pelo senador Telmário Mota (PTB-RR), mas que até o presente momento, se encontra em fase de tramitação[19], o que mostra a importância da temática à luz da modernidade.

4 À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS, A DECISÃO DO STF PODERIA TER SIDO DIFERENTE?

Por fim, após expostas tanto uma breve abordagem da tramitação da Ação de Suspensão de Tutela Provisória 272, assim como as razões pelas quais entende-se pelo acesso à energia elétrica como um direito fundamental social, instiga-se a seguinte questão: à luz dos direitos humanos, a decisão do Supremo Tribunal Federal poderia ter sido diferente?

Consoante fora dito, a energia elétrica se faz atualmente como um direito fundamental e sua essencialidade é verificada dia a dia na realidade dos brasileiros. Denota-se que a decisão proferida, a contrário senso do que se orientaria os Direitos Humanos, optou por restringir o direito de acesso aos usuários de um serviço público tão importante.

O jurista francês Louis Rolland[20] em 1930 desenvolveu premissas obrigatórias para os serviços públicos conhecidas como “lois de Rolland” ou “Leis de Rolland”, e em um desses princípios norteadores dos serviços públicos destaca-se o princípio da continuidade (continuité). Assim, entende-se que o Estado deve fornecer serviços público em caráter contínuo, não impedindo ou restringindo seu acesso.

Nesse sentido, Constituição da República Federativa do Brasil firma em seu texto em seu Art. 9º, §1º, que trata sobre o direito a greve, acerca da necessidade de disposição em Lei sobre a definição de serviços ou atividades essenciais, de caráter contínuo, devendo seus atendimentos serem inadiáveis a comunidade. Tal disposição encontra-se na Lei 7.783/89, que em seu Art. 10 define as atividades ou serviços que são consideradas essenciais, e, logo em seu inciso I, é destacado a produção e distribuição de energia elétrica.

Ressalta-se ainda que a Resolução Normativa 414, de 09 de setembro de 2010, da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, estabelece as condições gerais de fornecimento de energia elétrica, e em seu Art. 11, I, considera também como serviço essencial, de caráter contínuo, à população a produção e distribuição de energia elétrica.

Tal entendimento foi reafirmado na situação excepcional que o mundo se encontra hoje, com a evolução da pandemia do covid-19, que motivou o desenvolvimento da Lei 13.979/20 que dispõe sobre medidas para o enfrentamento do surto viral que ora acomete o país. E o decreto 10.282 de 20 de março de 2020, que regulamenta a supracitada Lei, define em seu Art. 3º os serviços e atividades essenciais nesse período, dentre os quais no inciso X, encontra-se a geração, transmissão e distribuição de energia elétrica.

No mais, é disposto ainda no Art. 175, parágrafo único, IV, da Constituição Federal que incumbe ao Poder Público, seja direta ou por meio de concessão ou permissão, a prestação de serviços públicos, devendo Lei dispor sobre a obrigação de manter o serviço condizente aos usuários. A referida norma em questão é a Lei 8.987/95 que dispões sobre os regimes de concessão de serviços públicos, e nessa, é taxativo em seu Art. 7º, I, que são direitos dos usuários receberem um serviço público adequado.

A decisão do Supremo Tribunal Federal levou em consideração que a obrigação consignada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte aparentava onerar excessivamente a empresa requerente CONSERN, prestadora de serviço essencial de distribuição de energia elétrica aos usuários, uma vez que considerara a necessidade de restabelecimento de energia daqueles que se encontravam inadimplentes antes da Resolução 878 da ANEEL.

A referida resolução 878 é datada de 24 de março de 2020 quando comprovadamente o surto do covid-19 já causava consequências aos cidadãos de maneira geral. Destaque-se que, segundo se extrai do site da Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS a Organização Mundial da Saúde considerou a doença como surto Pandêmico de nível mundial em 11 de março de 2020[21]. Tardiamente enquadrada dessa maneira, conforme se sabe, pois desde de 30 de janeiro de 2020 já era considerada pela mesma instituição como situação de “Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII)” [22].

Tal entendimento, inclusive, se alinha com o entendimento do Procurador-Geral da República em seu parecer juntado nos autos da STP 272, que denotou a essencialidade do serviço de energia elétrica, sobretudo diante das medidas restritivas impostas para o controle da epidemia da covid-19. Devendo assim o Poder Público zelar pela sua continuidade, vez que a energia elétrica possibilita a continuidade da renda (viabilizando alguma modalidade de trabalho remoto por meio de itens que demandem energia), cuidados relativos à saúde, bem como o armazenamento de alimentos no período de isolamento.

A referida situação se torna ainda mais nítida quando se analisa a questão recentemente enfrentada pelo estado do Amapá, que vivenciara 22 (vinte e dois) dias de completo apagão[23] no fornecimento de energia elétrica. A falta de energia elétrica no estado afetou também o setor hidráulico, resultando em falta de água encanada e mineral[24]. Da mesma forma, impactou os serviços de internet, telefonia, caixas eletrônicos e até postos de combustível pararam de funcionar, resultando em total crise o estado do Norte.

Isso sem considerar o impacto que os hospitais da região tiveram, eis que no período pandêmico da covid-19, com a superlotação dos estabelecimentos de saúde, a ausência de energia elétrica inviabiliza o funcionamento de aparelhos essenciais para a manutenção da saúde dos acometidos por essa doença, tais quais respiradores artificiais. Desta feita, resta claro a importância que a energia elétrica possui para a sociedade atual, uma vez que no atual século, os as pessoas tornaram-se muitos mais dependentes dos benefícios e facilidades tragos pelos aparelhos movidos a esse tipo de energia, tornando quase que insustentável a vivência com a sua falta.

Portanto, considera-se que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, à luz dos Direitos Humanos, poderia ter sido diferente, posto que, consoante fora demonstrado no presente artigo, o acesso à energia elétrica é considerado hoje um direito fundamental, e, uma vez que disposto na legislação brasileira a necessidade de continuidade do serviço público essencial, dada a situação excepcional em que o mundo se encontra, certamente a Corte Constitucional nacional poderia entender pela improcedência do pleito autoral da CONSERN, para assegurar aqueles cidadãos que há muito, não apenas após a Resolução 878 da ANEEL, estavam sendo afetados em suas atividades.

Autor

  • Leonardo Augusto de Morais Soares – Advogado. Pós-graduando em Processo nos Tribunais na Instituição UniCEUB. Pós-graduando em Direito e Processo Tributário na Faculdade CERS. Graduado em Direito na Instituição UniCEUB. Possuo grande atuação e experiência junto aos Tribunais Superiores, com destaque para o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

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