A Lei da Ficha Limpa foi criada em 2010 e até hoje é pauta dos principais jornais em âmbito nacional. Isso porque ela mexe com a possibilidade da candidatura de políticos em eleições. Além disso, ela ainda é discutida, em termos de sua constitucionalidade, no Supremo Tribunal Federal. Enquanto outros setores da sociedade discutem sua aplicação e consequências, vamos entender sobre o que, de fato, ela trata?
Essa lei nasceu em dezembro de 2010 por iniciativa popular, com a Campanha da Ficha Limpa, pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). O movimento desenvolveu esta campanha por conta das manifestações de diversos setores da sociedade que ansiavam maior rigor para as candidaturas políticas e no combate à corrupção.
A Lei da Ficha Limpa é, na verdade, a Lei Complementar nº 135 de 2010, que altera algumas questões da Lei Complementar nº 64, de 1990. A LC nº 64 era a lei que dispunha sobre as condições, os motivos e as situações em que uma pessoa não poderia se eleger para um cargo público. Assim, a LC nº 135 veio para conceder mais rigidez às regras já existentes e impor algumas outras.
A coleta de assinaturas foi iniciada em 2008. Isso pois era necessário alcançar mais de 1,3 milhões de assinaturas para que o projeto fosse levado ao Congresso Nacional. Em poucos meses, o projeto foi levado ao então presidente da Câmara de Deputados, Michel Temer. Mesmo depois de entregue, o número de adesões continuou aumentando, chegando a 1,6 milhão de assinaturas.
Assim, o projeto tramitou como qualquer outra lei no Brasil. Primeiro, passou pela Câmara dos Deputados – em uma comissão que reunia pessoas de todos os partidos políticos. Depois, pelo Senado Federal – com apenas uma alteração na redação. Por fim, foi sancionada pelo então presidente, Lula, em 4 de maio de 2010.
Por mais que algumas atividades sejam ilícitas, muitas vezes continuam a ser praticadas por representantes do poder público. A Lei da Ficha Limpa pretende impedir a eleição de pessoas que realizam tais práticas e que tenham sido, por exemplo, condenadas por crimes, ou tenham processos em andamento na Justiça Eleitoral, entre vários outros motivos.
Quando estava em tramitação na Câmara dos Deputados, um ponto importante do projeto sofreu alteração. Originalmente, no projeto de lei, constava que uma condenação em qualquer órgão do Judiciário implicaria na inelegibilidade de uma pessoa. Isso, porém, mudou. Só é inelegível a pessoa que foi condenada por um órgão colegiado – ou seja, se, no mínimo, três juízes participaram da decisão.
Como mencionamos, a Lei da Ficha Limpa reúne as condições em que os políticos ficam impedidos de concorrer nas eleições. Algumas delas já haviam sido citadas na Lei Complementar nº 64, outras foram criadas pela nova lei. A Lei da Ficha Limpa estabelece aos políticos ficarem inelegíveis por um período de 8 (oito) anos após sua condenação – quando a decisão transita em julgado e não cabe mais recurso – ou após terem incorrido em alguma prática elencada na lei. Listamos abaixo algumas situações citadas na LC 135, não poderão se eleger os políticos que:
Estes são apenas alguns exemplos das razões pelas quais alguma pessoa não pode se candidatar a um cargo. Existem outros listados na lei.
O primeiro órgão do Judiciário que discutiu a Lei da Ficha Limpa foi o TSE, antes das eleições gerais de 2010. Lá, a lei saiu vitoriosa. Inclusive, ministros do TSE foram visitar os Tribunais Regionais Eleitorais pedindo sua aplicação já naquelas eleições.
Após, a lei seguiu para o STF, que precisava decidir se a Lei da Ficha Limpa valeria para as eleições de 2010. Se isso acontecesse, vários políticos estariam em posição de inelegibilidade. Inicialmente, o Tribunal decidiu a validade da lei para aquelas eleições. Entretanto, vários processos chegaram, de políticos – em condições de inelegibilidade – alegando que a lei, naquela eleição, não era válida.
Uma nova votação foi feita. Por fim, foi decidido que a lei não valeria para as eleições gerais de 2010, só para a de 2012. Dessa forma, ela estaria válida para todas as eleições seguintes, como a de 2016 e 2018. O STF também julgou a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, ou seja, julgou se ela foi redigida de acordo com os preceitos constitucionais e poderia ser aplicada.
A Ficha Limpa determina que os chefes do Executivo que tiverem suas contas rejeitadas por “órgãos competentes” serão inelegíveis por uma “decisão irrecorrível“. O que isso significa?
Vamos explicar: o Tribunal de Contas é responsável por fazer o parecer das contas do prefeito. Já o julgamento das contas cabe à Câmara de Vereadores e tem um prazo determinado para ser feito. Esse era, basicamente, o trâmite previsto para a aprovação ou rejeição das contas do chefe do Executivo.
Caso a Câmara não fizesse o julgamento a tempo e o Tribunal de Contas tivesse considerado as contas improcedentes, o então Prefeito (ou chefe de qualquer âmbito do Executivo) seria impedido de se candidatar às eleições – seria “ficha suja”.
Em 2016, esse ponto da lei foi colocado em discussão no Supremo Tribunal Federal. Ficou decidido no julgamento dos Recursos Extraordinários 848.826 e 729.744 que a rejeição das contas do chefe do Executivo só pode torná-lo inelegível se a votação da Câmara Legislativa for realizada. O parecer feito pelo Tribunal de Contas não tem o poder de impedir o político de se candidatar, apenas a Câmara. Essa medida começou a valer nas eleições municipais de 2016.
E se o julgamento da Câmara nunca acontecer? Não importa, o prefeito continua com a ficha limpa, mesmo que o Tribunal de Contas tenha rejeitado suas contas.
Ao final de 2020, o Ministro Kassio Nunes, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 6630 proposta pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), considerou inconstitucional certo trecho da Lei da Ficha Limpa. Especificamente o Art. 1°, alínea E, inciso I, da Lei complementar 64/1990 com redação pela LCP 135/2010, que diz:
“Art. 1º São inelegíveis:
(…)
e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes:”.
Na decisão, o Ministro acatou os argumentos apontados pelo PDT sobre o Art. 1°, alínea E, inciso I, que deveria ter uma interpretação única para que não se aplique uma inelegibilidade maior aos candidatos políticos. De acordo com a redação, o candidato já estaria inelegível durante o trâmite do processo e ao sofrer a condenação teria que cumprir os 8 anos estabelecidos pela lei – isto implicaria em um tempo maior de inelegibilidade se somado a duração do processo e a condenação.
Desta maneira, o Ministro Kassio Nunes entendeu no sentido de que o prazo prescrito pela lei complementar deve contar a partir do início do processo e não após o trânsito em julgado – quando não há mais possibilidade de entrada de recursos no processo.
No ano de 2021, um importante acontecimento ocorreu na Câmara de Deputados que aprovou o projeto de lei complementar N° 9/2021, o projeto pretende limitar a inelegibilidade de certos políticos.
A votação na Câmara, que levou o placar de 345 favoráveis ao projeto e 98 votos contra, aprovou a alteração que possibilita aos políticos que tiveram suas contas rejeitadas e levaram punição de apenas multa para que continuem elegíveis, contrariando o texto original da Lei da Ficha Limpa.
O projeto de lei complementar ainda deve passar por votação pelo Senado Federal e não havendo alterações segue para a sanção ou veto presidencial.
Fonte: Politize