Em uma análise crítica que reverberou pelo cenário jurídico, Lindôra Araújo, então vice-procuradora-geral da República, contestou veementemente a legalidade da atuação da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED), sob a liderança do ministro Alexandre de Moraes, em 2022. Araújo levantou preocupações sobre possíveis violações do sistema processual acusatório, apontando a AEED, órgão vinculado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por suas atividades investigativas.
Em um parecer de caráter sigiloso, Araújo destacou que a atuação da AEED poderia representar uma interferência nas atribuições da Polícia Federal (PF) em investigações de casos sob a jurisdição dos tribunais superiores. Ela argumentou que a criação deste órgão poderia significar uma extensão do poder do Judiciário para além de sua função típica, adentrando no território das investigações, o que contraria o princípio do sistema acusatório.
O documento de Araújo, datado de 23 de dezembro de 2022, foi emitido em resposta a uma decisão de Moraes, de 15 de dezembro do mesmo ano, envolvendo o suplente de deputado estadual de Santa Catarina, Alex Brasil (PL). Nesta decisão, Moraes proibiu Brasil de fazer publicações em redes sociais sob a acusação de possuir um site fraudulento sobre consulta de voto, baseando-se exclusivamente em um relatório de inteligência da AEED.
Araújo também expressou preocupação com a falta de consulta à Procuradoria-Geral da República (PGR) e à Polícia Federal antes da decisão de Moraes, ressaltando que essa omissão poderia comprometer o devido processo penal. Ela enfatizou que a atuação da AEED, sob o pretexto de combater a desinformação, não deveria se converter em uma diligência investigativa judicial, especialmente no compartilhamento de elementos de materialidade e autoria de supostas infrações penais com o Supremo Tribunal Federal (STF).
O caso ganhou mais um capítulo em julho de 2023, quando Moraes encaminhou os autos para a Polícia Federal, após ter utilizado a AEED em pelo menos 27 ocasiões para embasar decisões que resultaram na remoção de perfis e conteúdos considerados desinformativos, sem especificar os crimes cometidos.
A reportagem procurou Alex Brasil para comentar sobre as atualizações do inquérito, porém não obteve resposta até a publicação desta reportagem, mantendo o espaço aberto para manifestações.
A AEED foi estabelecida oficialmente em 2022, durante a presidência de Edson Fachin no TSE, como parte do Programa de Enfrentamento à Desinformação, iniciado em 2019 sob a gestão do ministro Roberto Barroso. Inicialmente focada no combate à desinformação entre candidatos, a assessoria expandiu seu escopo para incluir casos de alegada desinformação contra a própria Justiça Eleitoral. Sob a gestão de Fachin, o foco estava na capacitação de profissionais da Justiça e plataformas digitais para lidar com a desinformação online.
Contudo, a atuação da AEED sofreu uma transformação significativa na gestão de Moraes, que conferiu ao órgão um perfil mais investigativo, atribuindo-lhe a responsabilidade de examinar conteúdos considerados falsos. Segundo relatos, a AEED foi mencionada 40 vezes em decisões, das quais 27 resultaram na remoção de perfis e em 4 casos ordenou a reativação de perfis suspensos. Entre os alvos dessas decisões estavam os deputados, Marcel Van Hattem (Novo-RS), Gustavo Gayer (PL-GO), Carla Zambelli (PL-SP) e o influenciador Monark.