A Lei 14.188 de 2021 entrou em vigor em julho deste ano e fez algumas alterações no que se refere à violência doméstica e familiar contra mulher.
Inicialmente, definiu o programa “Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica e Familiar” e previu que Executivo, Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e órgãos de segurança pública podem estabelecer parcerias com estabelecimentos comerciais privados para a promoção e a realização do programa. Segundo a lei, os órgãos mencionados deverão estabelecer um canal de comunicação imediata com as entidades privadas de todo o País, a fim de viabilizar assistência e segurança à vítima, a partir do momento em que houver sido efetuada a denúncia por meio do código “sinal em formato de X”, preferencialmente feito na mão e na cor vermelha.
No código Penal, foi incluída nova qualificadora no § 13º no artigo 129 para aumentar a pena da lesão corporal praticada contra a mulher para 1 (um) a 4 (quatro) anos de reclusão. Conforme a redação do artigo, a lesão deve ser praticada por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 do Código, ou seja, quando o crime envolve violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Até a mudança, o crime de lesão corporal contra a mulher era punido pelo artigo 129, § 9º do Código Penal, sendo a pena de 3 (três) meses a 3 (três) anos de reclusão.
Além disso, foi inserido o artigo 147-B no Código Penal, que criou o crime de violência psicológica contra a mulher:
“Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação:
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.”
Violência psicológica, no artigo 7º, inciso II da Lei Maria da Penha, foi conceituada como qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação. Assim, o agressor procura causar danos emocionais à mulher, diminuindo sua autoestima, como também prejudicando o seu pleno desenvolvimento.
Até o advento da Lei 14.188/21, a violência psicológica por si só não era considerada crime, mas a depender do caso concreto, poderia caracterizar o crime de ameaça (artigo 147 do Código Penal) ou de perseguição (artigo 147-A do Código Penal), por exemplo, e ensejar o deferimento de medidas protetivas. Agora, com a edição da nova lei, a conduta passa a ser crime, mostrando a importância de reconhecer a integridade da pessoa como um todo, assim como no conceito trazido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), abrangendo o bem-estar físico, mental e social.
No entanto, a redação do artigo merece algumas críticas. Primeiro porque o tipo penal ficou extremamente amplo, podendo abrir grande margem para interpretação na utilização da expressão “ou qualquer outro meio que cause prejuízo à saúde psicológica ou autodeterminação”. Ademais, surge a dúvida de como será a comprovação do dano e do nexo causal entre os sintomas apresentados pela vítima e o fato traumático apontado por ela.
O crime é de ação penal pública incondicionada e, apesar de a pena máxima não ultrapassar dois anos, os benefícios da lei 9.099/95 não poderão ser aplicados, por se tratar de infração penal cometida no contexto de violência doméstica contra a mulher, conforme determina a artigo 41 da Lei 11.340/06 e a súmula 536 do Superior Tribunal de Justiça.
Por fim, também foi alterado o artigo 12-C da Lei Maria da Penha, para prever a possibilidade de imediato afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência da ofendida, caso seja verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física ou psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes. A redação anterior do referido artigo apenas previa a possibilidade de afastamento do lar em caso de risco à vida ou à integridade física da vítima, sem incluir o risco à sua saúde psicológica.
Assim, percebe-se o grande número de alterações legislativas que buscam auxiliar na luta contra violência doméstica ocorridas recentemente, podendo também mencionar a criação do crime de perseguição (artigo 147– A do Código Penal), pela Lei 14.155/21, o qual já foi detalhado em publicação anterior. No entanto, deve-se ter cautela com a criação de normas genéricas, que acabem impedindo a sua aplicação prática.
Leticia Barreto – Advogada Criminalista Graduada pela Escola Superior Dom Helder Câmara Pós-graduada em Advocacia Criminal pela Escola Superior de Advocacia da OAB/MG Atuo na área criminal, inclusive na fase de execução penal