Judiciário
A colegialidade do STF nas mãos de Rosa Weber
Para o STF não perder os dedos, deve perder os anéis; o mais dispensável é o pedido de vista que desrespeita prazo regimental
Para o STF não perder os dedos, deve perder os anéis; o mais dispensável é o pedido de vista que desrespeita prazo regimental
O que fazer com pedidos de vista que impedem que a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal julgue matérias relevantes e urgentes? Esse problema é um velho conhecido dos constitucionalistas e estudiosos do STF.
O que merece nova atenção é a singularidade da conjuntura atual. Em primeiro lugar, porque o Congresso Nacional tem demonstrado cada vez mais disposição para resolver os problemas estruturais do Supremo que não são solucionados pelos próprios ministros. Em segundo lugar, porque a possibilidade de estabelecer um precedente importante para lidar com esse tipo de pedido de vista depende de um membro do Supremo com especial preocupação com a colegialidade do tribunal, a ministra Rosa Weber.
No caso concreto, o que está em jogo é a inviabilização inconstitucional dos mecanismos de proteção ao meio ambiente. O que o governo Bolsonaro tem realizado nesse campo é fragilizar os agentes e instituições que zelam pelo cumprimento das obrigações constitucionais e internacionais de proteção a um meio ambiente saudável e uma atividade econômica alinhada com as exigências do século 21.
Uma das frentes pelas quais esse projeto tem sido perseguido mira a dimensão burocrática das políticas ambientais, afastando a sociedade civil organizada do controle e da formulação de políticas públicas ambientais.
Na prática, o presidente da República usa seus poderes de decreto para modificar a estrutura burocrática das instituições que regulam e fiscalizam o plano ambiental. Essas modificações tendem a afastar o controle e a participação popular de um lado, e a inviabilização de suas tarefas institucionais (nomeando pessoas sem experiência para cargos de direção e com cortes excessivos de verba).
É uma forma sutil de ação e, por esse motivo, difícil de ser judicialmente controlada. Um exemplo tragicamente didático é corporificado pela situação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), uma instituição responsável por regular as políticas do meio ambiente por meio de suas resoluções.
Logo no início do mandato, Bolsonaro editou um decreto para modificar a composição do Conama a fim de concentrar o poder de decisão nas mãos do Executivo e alijar a sociedade civil dos processos decisórios. Esse mesmo Conama, com sua nova estrutura, se reuniu para aprovar uma resolução que torna ainda mais difícil a presença e atividade fiscalizadora de organizações ambientalistas. Essa tem sido a realidade, que poderia ser diferente, caso não houvesse um voto-vista no meio do caminho.
O decreto do governo Bolsonaro foi devidamente questionado pela ADPF nº 623, cuja relatoria foi distribuída para a ministra Rosa Weber, que, enxergando a urgência da matéria, disponibilizou-a para votação em plenário virtual. Na sessão de julgamento virtual, quatro ministros votaram pela inconstitucionalidade do decreto, entendendo que a composição do Conama deveria ser alterada, de modo a ampliar a participação da sociedade civil.
O julgamento foi paralisado desde março de 2021 por um pedido de vista. Um pedido de vista que (i) viabiliza que o Conama opere e edite regulações nessa condição de insegurança jurídica, e (ii) impede a maioria dos ministros de formar sua convicção sobre a inconstitucionalidade do referido decreto, em ofensa direta à colegialidade do tribunal. O prazo regimental para a devolução do processo já foi esgotado há tempo, sem sinal de retomada do julgamento.
Felizmente, a ministra Rosa Weber dispõe de um mecanismo para restaurar a colegialidade e a segurança jurídica violada pela extrapolação do prazo de suspensão do julgamento pelo pedido de vista, sem ter que interferir ou mesmo se sobrepor ao ministro que demanda maior tempo de análise para apreciar o caso. A ministra, como relatora, poderia determinar cautelarmente a interrupção dos trabalhos do Conama, até que o colegiado se pronuncie sobre a constitucionalidade do decreto. Com isso, o Conama deixa de produzir normas possivelmente inconstitucionais, enquanto se resolve o problema dos ministros que interfere de maneira individual sobre o status quo político do país.
Além disso, a lei que regula o processo de julgamento das ADPFs concede ao ministro relator o poder de conceder medidas cautelares monocráticas, desde que submetam a decisão, imediatamente, à apreciação do plenário. Essa é uma medida estabelecida para evitar a consolidação de situações que violem preceitos fundamentais, ao mesmo tempo em que se garante a soberania das decisões colegiadas do Supremo. Ao conceder a cautelar enquanto vigorar a suspensão do julgamento, a ministra reforça as normas de processo constitucional e favorece a soberania do plenário.
Essa forma de deslocar o poder para o colegiado do STF não é apenas uma medida de reforço da institucionalidade do tribunal, mas de sobrevivência. Em primeiro lugar porque esse individualismo radical aumenta os riscos de captura do poder de agenda do tribunal, por certos grupos de interesse – já que o pedido de vista é uma forma individual de controlar a agenda.
Em segundo lugar, porque o Congresso Nacional tem aumentado o tom de controle sobre o Supremo. Seja com a PEC do Pijama, na modificação do processo de indicação de ministros, ou prevendo que os votos-vista devem ser de no máximo quatro meses. Uma vez aberta oportunidade para regular o STF, é difícil dizer que tipo de resultado sairá no final.
Para que o Supremo não perca os dedos, deve perder os anéis; o mais dispensável deles é o pedido de vista que desrespeita prazo regimental, afronta explicitamente a colegialidade e cria outros problemas como a insegurança jurídica. Já que a mudança não tem vindo pela alteração recente no regimento interno do Supremo, caberá à ministra Rosa Weber capitanear a luta pela colegialidade.