Judiciário
Estelionato Sentimental: a prática de golpes camuflados em relações amorosas
Golpe do Tinder, Estelionato Amoroso e outras formas de prejuízos patrimoniais maquiadas de afeto
Golpe do Tinder, Estelionato Amoroso e outras formas de prejuízos patrimoniais maquiadas de afeto
01. Introdução
O estelionato é definido no Código Penal brasileiro como a obtenção de vantagem ilícita em prejuízo alheio por meio de engano, razão pela qual constitui um tipo de crime que pode se manifestar de diversas formas.
No contexto amoroso, ganha contornos ainda mais complexos, ao que passa a ser chamado de “estelionato sentimental”.
Jurisprudencialmente, isto é, conforme os entendimentos debatidos nos Tribunais Estaduais, o estelionato sentimental tem sido reconhecido quando alguém, valendo-se de artifícios como promessas de amor e compromisso, obtém vantagens financeiras ou outros benefícios materiais de seu parceiro, sem a intenção real de cumprir tais promessas.
Em linhas gerais, mostra-se uma modalidade criminosa decorrente do delito de estelionato (art. 171, do CP) essencialmente cunhada em relações amorosas, a qual, com a popularização de aplicativos de relacionamentos e aumento da “liquidez” das relações humanas, ganha maior destaque nos noticiários.
02. Providências Jurídicas
O reflexo penal depende delicadamente de cada nuance do ato praticado. Contudo, para fins didáticos e gerais, podemos analisar alguns pontos de acordo com nossa legislação:
A) Configuração e Enquadramento no Art. 171 do Código Penal (Estelionato):
O estelionato é um crime patrimonial praticado mediante fraude.
Em circunstância amorosa, significa conscientemente provocar o engano de um parceiro a fim de obter um lucro indevido, persuadindo-o por meio de sua posição de afeto.
Não admite a modalidade culposa, ou seja, exige dolo do agente (vontade livre e consciente, assim como a finalidade de obter lucro indevido).
B) Proteção: Registro de Boletim de Ocorrência e pedido de Medida Protetiva:
Comprovar o estelionato sentimental pode ser desafiador, uma vez que muitas das promessas e compromissos são verbais e não deixam rastros materiais.
São aconselhados alguns cuidados para melhor instruir o feito, como: provas existentes de chantagens emocionais (mensagens trocadas, fotos e áudios), identificação do suspeito (nome, endereço, etc), comprovantes de transferências bancárias e empréstimos.
Portanto, é preciso sempre buscar o socorro da autoridade policial competente quando estiver diante de uma situação vulnerável. No caso do estelionato nas relações amorosas, é preferível que a vítima se direcione até uma Delegacia especializada, como é o caso da Delegacia de Atendimento à Mulher ou da Delegacia Especializada em Crimes Cibernéticos, conforme cada caso e, naturalmente, conforme a existência ou não de uma unidade especializada em sua cidade.
C) Incidências na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006):
Por óbvio, as figuras de “vítima” e “autor” no que concerne ao crime de estelionato em união amorosa não são pré-definidas por nenhuma circunstância de gênero, entretanto, segue-se tal linha de forma exemplificativa e didática a fim de discutir eventual incidência na Lei acima especificada.
Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, e possui especial proteção junto à Lei 11.340/06 quando vítima de violência doméstica e familiar.
Antes de responder se há ou não incidência da Lei Maria da Penha quando evidenciado um contexto de estelionato sentimental, importa esclarecer que a referida Lei traz em seu bojo textual algumas formas de acometimento de violência doméstica e familiar contra a mulher, ao que se destaca:
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: […] II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações […]; IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
Insta relembrar que o crime de estelionato tem como objeto jurídico a tutela da inviolabilidade do patrimônio, isto é, um amolde ao que é destacado como “violência patrimonial” no inciso IV do artigo 7 da lei.
Por sua vez, diante dos contornos complexos envolvendo cenário amoroso, o crime de estelionato sentimental pode também ter um amolde ao que é destacado como “violência psicológica” no inciso II do artigo 7 da acime mencionada legislação.
Estas, como dito, são apenas algumas das possíveis implicações criminais usualmente vistas sobre o assunto, sendo importante destacar que esses reflexos não ficam necessariamente restritos à seara penal, já que frequentemente afeta bem jurídicos tutelados pelo direito civil (a exemplo: dano moral; ressarcimento de prejuízo material; etc.).
03. Conclusão
Em resumo, estelionato sentimental é um crime que causa não apenas prejuízos materiais, mas também danos emocionais significativos, motivo pelo qual a vítima muitas vezes demora para compreender a situação em que se encontra.
Portanto, caso se encontre em uma situação de vítima de estelionato sentimental, é de extrema importância que adote as medidas pertinentes para a proteção de direitos, tanto registrando o fato à Autoridade Policial por meio de boletim de ocorrência, como buscando assistência jurídica especializada.
Na verdade, mesmo que o contato tenha ocorrido em meio exclusivamente virtual, é de extrema importância que a vítima relate a situação à Delegacia competente e leve todas as informações que estão ao seu alcance, notadamente para que assim possa adotar uma estratégia investigativa e até mesmo solicitar a colaboração com autoridades cibernéticas e rastreamento de endereços de IP.
Texto por: Dayane Moreno Amaro | Advogada.