Ao longo de todos os anos de minha atuação como professora, sempre tive os familiares como um dos elementos essenciais para a alfabetização. Devem ser enxergados como parceiros para o desenvolvimento de projetos, gestão de sala de aula, acolhimento dos estudantes, entre outros aspectos.
O envolvimento dos responsáveis na vida escolar dos estudantes faz muita diferença. Quando ela não acontece, historicamente tendemos a considerar que a motivação seja iniciativa única e exclusivamente dos próprios familiares, ou seja, se eles participam é porque querem, se são ausentes, é porque não querem e contra isso não há o que fazer.
Na minha opinião, essa perspectiva desconsidera a realidade desses pais e responsáveis. Por isso, passei a desenvolver estratégias que os motivassem a se envolver nas atividades escolares para além dos momentos de reunião.
Recados por WhatsApp (ou outras ferramentas de mensagens), conversas na entrega das crianças no momento da saída lembrando da tarefa, envio de imagens das crianças trabalhando em sala de aula são boas estratégias para manter o vínculo com os familiares no dia a dia. Os responsáveis gostam de receber notícias da sala de aula e se orgulham em ver seus filhos refletindo, dedicados às tarefas.
Obtive bons resultados que quero compartilhar com você, professora e professor. Essas ações foram realizadas com apoio da gestão escolar e dos próprios estudantes.
Solicitar o envio de jornais, revistas ou outros tipos de objetos para uso pedagógico é uma ação muito comum na rotina escolar. Observando os resultados notei que eu e meus colegas conseguimos mobilizar a arrecadação, porém não havia uma continuidade da “conversa” para agradecer o envio e compartilhar como foi aquele material foi utilizado.
Eu pauto meu trabalho pela ideia de que a prática e usos sociais da escrita vão além da escola. Por isso, comecei a pedir aos pais e aos estudantes que lessem juntos os materiais que seriam enviados para resolver algumas situações-problema.
A execução dessa tarefa ressignificou essa prática para todos. Um exemplo que rendeu ótima participação dos pais foi a leitura de panfletos de supermercado. Além de utilizarmos em várias situações de leitura, escrita e cálculo na escola, comecei a produzir situações reflexivas que fazia sentido para a família por meio de orientações como:
A orientação da tarefa em si não garante a ação, mas a animação das crianças ajudam a envolver a maioria. Depois de atividades como essa, as crianças trazem muitos relatos interessantes da conversa que tiveram com os responsáveis e à medida que ocorrem, os familiares se engajam cada vez mais.
A formação de leitores é uma ação ampla e necessária de ocorrer na escola. Ao ampliar para as famílias, acrescenta-se um desafio: como pedir para ler com ou para seus filhos se elas não possuem hábito de leitura ou, até mesmo, em alguns casos, os familiares não são alfabetizados?
Ler envolve mais que decifrar o que está escrito. Implica em comportamentos em torno da leitura, análise de imagens, um relacionamento entre leitor e texto e entre os leitores que estão em torno daquela narrativa, pois ler é compreender o texto com todos os sentidos.
Solicitar que os familiares leiam com as crianças não precisa ser “um bicho de sete cabeças”, caso o professor saiba dialogar com as crianças e a família mostrando várias possibilidades de interação com o texto.
Na ocasião da reunião presencial de familiares comento sobre essa prática. Também envio áudios, vídeos e dicas no grupo de WhatsApp que os ajudam a compreender a importância da ação e se envolver com ela.
O empréstimo de livro semanal ou quinzenal da biblioteca de sala pode ser potencializado por uma proposta de leitura em parceria com a família.
O primeiro passo é comunicar aos familiares que a ideia é que conheçam o livro juntos. A criança pode ler eles ou eles ler para ela. Outra proposta interessante é um “caderno de registro” dessas leituras em que os familiares possam deixar depoimentos, ilustrações. Também pode ser online para que enviem fotos e áudios para o grupo de WhatsApp (ou outra ferramenta utilizada para essas comunicações) contando como foi a experiência leitora.
Ler em família pode ser uma experiência divertida! Os livros atuais são excelentes em prender o interesse tanto das crianças quanto dos adultos. Diversos autores contemporâneos vão deixando pistas sobre segredos da história por meio das ilustrações, promovendo um projeto gráfico diferente do convencional.
Quero deixar aqui dois exemplos de situações de leitura em família que já desenvolvi com minhas turmas:
O vínculo que se cria e a aprendizagem que se conquista com essas propostas de leitura nunca serão esquecidos.
Me recordo que em uma das propostas de leitura de cantiga, Sofia, uma criança do 1º ano em 2023, gravou o vídeo com sua irmãzinha de 4 anos. Foi muito interessante ver a irmã imitando os procedimentos de leitura por ajuste que Sofia fazia. Minha aluna me contou que sua irmã disse que não via a hora de entrar no 1º ano para ler e cantar.
A parceria com a gestão escolar também é importante, pois o projeto de uma sala com os familiares pode tornar-se uma iniciativa de toda a escola para engajar a comunidade escolar. A família na escola é um diamante a ser lapidado, a sua participação não deve ser encarada apenas como vontade ou falta dela. É necessário que nós, profissionais da educação, também criemos mecanismos para tornar essa participação efetiva.
Algumas vezes os esforços não resultam em uma participação efetiva por parte dos familiares. Meu conselho é não desistir, tentar entender por que não participam. Saber mais sobre o ambiente familiar, o que gostam de fazer, mandar um recado individual (pela agenda ou mensagem) pode ajudar. Sempre que alguém se mostra distante, faço uma aproximação “fora do coletivo”, pois ali podem se sentir mais à vontade para expor seus desafios e expectativas que irão gerar dados para que eu pense nas estratégias para engajamento.
Eu continuo pensando e experimentando caminhos para estreitar esses laços. Vamos juntos?
Caroline Rezende é professora alfabetizadora na E.E Prudente de Moraes, na capital paulista, e mestranda em Escrita e Alfabetização pela Universidade Nacional de La Plata. Também atua como formadora de educadores.