No dia 25 de outubro de 2021, entrou em vigor a Lei 14.239/21, que alterou a Lei de Improbidade Administrativa (LIA – Lei 8.429/92).
As mudanças trazidas pela nova legislação são de importância fundamental para todos que possuem algum contato com a matéria, tendo em vista que profundas alterações foram realizadas.
No artigo de hoje, abordaremos a questão relativa à previsão expressa de aplicação, ao sistema de improbidade, dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador (art. 1º, § 4º) e os seus reflexos aos processos em curso.
Mas, afinal, o que muda com a previsão expressa de aplicação dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador?
De forma bem resumida, a incidência destes princípios significa que, aos processos de improbidade, aplicam-se as garantias e princípios constitucionais conferidos aos acusados em geral, inclusive àquelas do âmbito penal e processual penal.
O fundamento disso é proteger o cidadão de acusações com desvio de finalidade, pois aumentando o “leque” de garantias, segundo o raciocínio adotado, é menos provável que uma condenação injusta ocorra.
Com efeito, justamente por conta da incidência das regras do direito administrativo sancionador, instaurou-se imediatamente o debate acerca da aplicabilidade das novas normas aos processos que estão em tramitação, que tratem sobre temas cujas alterações foram mais benéficas aos acusados.
Essa discussão surgiu, porque no âmbito penal incide um princípio/garantia constitucional chamado princípio da retroatividade da norma mais benéfica (art. 5º XL, da CF/88). Por ele, é possível aplicar uma lei posterior a um fato praticado anteriormente ao início de sua vigência, desde que beneficie o acusado. Assim, por exemplo, quando a pessoa pratica um crime e posteriormente surge uma nova lei, que diz que aquela conduta não é mais crime, ela se aplica ao fato passado, extinguindo a punibilidade do agente.
Com o advento da nova lei, diversos dispositivos criaram situações mais benéficas aos acusados de ato de improbidade, a exemplo da REVOGAÇÃO DO ARTIGO QUE PREVIA A PUNIÇÃO DE INFRAÇÕES CULPOSAS.
Antes da reforma, era permitido a punição de condutas que causassem danos ao erário (art. 10, da LIA), quando a sua ocorrência decorresse de negligência, imperícia ou imprudência (forma culposa). Agora, isso não é mais possível, pois existe previsão expressa (art. 1º, § 1º) de que todas as condutas deverão ser praticadas de forma DOLOSA (vontade livre e consciente de praticar o ilícito), além de o art. 10 ter sido modificado para o mesmo sentido.
Assim, tratando-se de alteração benéfica e havendo a obrigatoriedade de aplicação dos princípios constitucionais do Direito Administrativo Sancionador, processos judiciais que visam apurar a prática de infrações culposas, em tese, poderão ser extintos, diante da incidência do princípio da retroatividade da norma mais benigna (art. 5º XL, da CF/88).
Apesar da polêmica, em outros casos, o Superior Tribunal de Justiça já admitiu a retroatividade, no âmbito do Direito Administrativo, adotando como fundamento os princípios do direito sancionador, conforme trecho abaixo, extraído de um precedente (STJ, RMS 37.031/SP, 1ª Turma, j. em 8.2.2018):
“[…] a retroação da lei mais benéfica é um princípio geral do Direito Sancionatório, e não apenas do Direito Penal. Quando uma lei é alterada, significa que o Direito está aperfeiçoando-se, evoluindo, em busca de soluções mais próximas do pensamento e anseios da sociedade. Desse modo, se a lei superveniente deixa de considerar como infração um fato anteriormente assim considerado, ou minimiza uma sanção aplicada a uma conduta infracional já prevista, entendo que tal norma deva retroagir para beneficiar o infrator. Constato, portanto, ser possível extrair do art. 5º, XL, da Constituição da Republica princípio implícito do Direito Sancionatório, qual seja: a lei mais benéfica retroage. Isso porque, se até no caso de sanção penal, que é a mais grave das punições, a lei Maior determina a retroação da lei mais benéfica, com razão é cabível a retroatividade da lei no caso de sanções menos graves, como a administrativa”.
Diante desse cenário, em tese, parece provável que a nova lei será aplicada aos processos em tramitação que apuram a ocorrência de infrações culposas, mesmo que praticadas anteriormente à sua vigência, gerando como efeito a extinção dessas acusações.
Por fim, cabe esclarecer que este artigo traz somente uma, das inúmeras mudanças, na Lei de Improbidade, sendo que as demais serão apresentadas em futuras publicações.
Lucas Brustolin Pezzi Meu nome é Lucas Brustolin Pezzi, sou bacharel em Direito, formado na Universidade do Vale do Taquari (UNIVATES), em 2013. Advogado (OAB/RS 93.268). Pós- graduado em Direito Constitucional, Civil, Licitações/Contratos Administrativo e Advocacia Tributária. Exerço advocacia particular e presto assessoria e consultoria jurídica para pessoas físicas e jurídicas, bem como para outros profissionais da área jurídica. Tenho um grande prazer pela leitura e pela escrita. Criei essa página com a pretensão de difundir informação jurídica, através de linguagem simples, mas sem perder a profundidade sobre os temas abordados.